o que você pensa quando lê o termo autocuidado?
quando pesquiso no pinterest, sou inundada por imagens de mulheres meditando, fazendo yoga, tomando matcha e banho de banheira.
acredita que até hoje nunca apareceu a imagem de alguém preenchendo uma planilha?
o tal do self-care está em voga em todos os círculos, nas trends do tiktok, no seu podcast favorito e se brincar já foi até assunto na ana maria braga (parando pra pensar, talvez ele sempre tenha sido o assunto principal da ana maria braga). já foi também cooptado pelo mercado, que o tempo todo inventa novos produtos, gadgets, apps e toda uma miríade de coisas que supostamente têm o potencial de revolucionar nossa vida.
o termo surgiu nos anos 50, no contexto da saúde mental, definido como “uma série de ações que o indivíduo pratica a fim de manter a vida, a saúde e o bem estar”.
e eu sempre fico me perguntando: cuidar do nosso dinheiro não é uma ação importante para mantermos nossa vida, saúde e bem estar?
obrigada por ler meditação & cafeína! uma newsletter sobre bem viver, contemporaneidade, vida criativa e outras conversinhas paralelas — escrita por uma mulher de quase 30 que sonha em ser uma patricinha inteligente, interessante e organizada.
se falar sobre esses assuntos te interessa, entra pro clubinho:
sabe, o dinheiro é uma invenção nossa, dos homo sapiens, e sinceramente não deveria ter se tornado o bicho de sete cabeças que acabou se tornando. essa parte tá na conta do capitalismo. é que quando uma coisa se torna meio velada, meio tabu, meio obscura, a gente tem a tendência de assumir que ela deve ser complicada, mesmo.
e, bom, não acho que precisa ser.
por isso resolvi listar aqui tudo que eu acho essencial para um bom self-care financeiro. e você vai perceber que o papo vai muito além de como lidamos com o dinheiro — é muito mais subjetivo do que objetivo, muito mais humanas do que exatas, muito mais psicologia do que planilha.
talvez exatamente por isso, é muito mais simples e muito mais complexo do que parece. mais simples, porque não se trata de entender jargões financeiros e assumir uma persona lobo do wall street (tá bem longe disso). mas também mais complexo, porque estamos falando de comportamento humano, e esse é talvez o maior mistério da humanidade.
antes de começarmos, talvez a sua primeira pergunta seja:
quem sou eu pra querer te dar conselhos financeiros?
e é uma boa pergunta. a verdade é que não sou ninguém especial — só uma pessoa normal, entusiasta das finanças pessoais e genuinamente cansada de ver pessoas inteligentes tomando decisões financeiras duvidosas. uma pessoa normal que, assim como tem uma rotina de skin care e de exercícios físicos, tem também uma rotina de cuidados financeiros.
a newsletter de hoje será tipo um get ready with me (ou arrume-se comigo), só que ao invés de te mostrar como me arrumo pra ir, sei lá, pra um festa ou pro trabalho, eu vou te falar como estou me arrumando pra alcançar a tranquilidade financeira.
então vamos lá?
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o que importa são os seus bastidores
e isso quer dizer: esqueça o que as pessoas estão mostrando nas redes sociais.
gastar tempo demais assistindo o palco das outras pessoas só nos traz duas consequências: passamos a desejar coisas que até então nem sabíamos que existiam, e esquecemos que os bastidores sequer estão lá.
lembrar que as pessoas na internet ganham dinheiro para fazer você gastar o seu é uma das regras fundamentais do autocuidado financeiro.
é muito mais fácil concluir que um produto “vale a pena” ou “tem um bom custo-benefício” se você não precisou pagar nada por ele. pense na blogueira que todo dia mostra uma roupa ou item de maquiagem novos nas redes sociais. pra começo de conversa, há boas chances de que esses produtos tenham sido presenteados pelas próprias marcas. além disso, como já estabelecemos, ela está ganhando dinheiro pra te influenciar a gastar o seu — muito dinheiro. e com esse dinheiro, viaja, compra imóveis, bolsas de marca, e te influencia mais ainda a torrar toda a sua grana tentando acompanhar.
esse ciclo vicioso é um excelente negócio pra ela1 (e pras marcas, e pras plataformas que ganham dinheiro com a sua atenção), e um péssimo negócio pra você.
enquanto os influencers te mostram o que compram e para onde viajam, o que eles não estão mostrando é o dinheiro que estão ganhando e investindo com isso tudo. o pix que tá entrando na conta. até que um belo dia você abre seus stories e vê a mais nova mansão que algum deles comprou no rio de janeiro, e então olha ao seu redor pra perceber que tudo que você tem é um armário cheio de coisas que nem sequer se lembra do porquê comprou. como isso aconteceu?
passar tempo demais assistindo o palco das outras pessoas nos faz esquecer que os bastidores existem.
na lógica das redes sociais, nós vemos um pedaço da vida das pessoas — um pedaço que elas escolheram mostrar — e tomamos aquilo como o todo. vemos as viagens, os bens materiais, o apartamento decorado, mas o que não vemos: a conta bancária, o planejamento financeiro, o quanto do que a pessoa tem é de fato dela, o quanto ela investe todo mês. é assim até mesmo com as pessoas normais do instagram: eu, você, nossos familiares e amigos. ninguém fala sobre o dinheiro, então simplesmente não sabemos o que se passa por trás das telas.
o clichê nunca foi tão real: não compare os seus bastidores com o palco da vida alheia. não baseie sua vida apenas no que as pessoas mostram nas redes sociais. o que aparece é só a ponta do iceberg — o planejamento, as pesquisas de preço, a (des)organização financeira ficam nos bastidores.
nunca se esqueça disso, e foque no seu.
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pense em patrimônio, e não em renda
confundir renda com riqueza: provavelmente o engano mais comum quando o assunto é finanças pessoais.
vamos então começar do básico. renda é o dinheiro que você ganha todo mês com o seu trabalho ou o retorno dos seus investimentos (aluguéis, dividendos, rendas passivas em geral). uma boa renda proporciona uma vida confortável e acesso a alguns luxos, e é bem aqui que muita gente se perde. se você gasta toda a sua renda e não guarda nada pro futuro, o que você está fazendo é se tornar refém: vai eternamente precisar continuar trabalhando e recebendo essa grana se quiser continuar tendo a mesma vida confortável e o acesso aos seus luxos favoritos.
para sair dessa roda de hamster e talvez conquistar um pouco mais de liberdade, o que precisamos não é apenas da renda. precisamos construir patrimônio. e patrimônio é exatamente o dinheiro não gasto.
este é o paradoxo e o grande truque do autocuidado financeiro: se você estiver fazendo bem feito, ninguém vai saber que está fazendo.
se patrimônio é o dinheiro não gasto, ele é exatamente o que ninguém além de você sabe que está lá. é como eu falei ali em cima: o que a gente vê são as viagens, os carros, o apartamento decorado, as bolsas de grife. mas o que importa é o que tá escondido: é o quanto a pessoa decidiu não transformar em viagens, carros, etc, etc. é o que tá lá na conta dela, onde só ela vê.
para ser mais tecnicamente precisa, carros e itens de grife podem ser considerados parte do patrimônio. na definição clássica, esse termo se refere a tudo o que uma pessoa possui: dinheiro, investimentos, imóveis e coisas — como carros, relógios e bolsas de luxo. algumas dessas coisas, como o carro, fazem você gastar mais dinheiro e perdem valor com o passar do tempo. são os chamados passivos2. outras, como os investimentos, te geram mais dinheiro ou apreciam em valor com o tempo. esses são os ativos. idealmente, uma boa gestão financeira foca na aquisição de mais ativos e menos passivos3.
não vou entrar no assunto planilhas aqui (nem tenho a pretensão de defendê-las!), mas uma coisa que gosto muito de acompanhar é exatamente o meu patrimônio. na verdade, esse é um dos poucos números que de fato importam, e tendo a achar que é o que melhor reflete nossa saúde financeira4. no mundo ideal, o que a gente quer é que o patrimônio esteja sempre aumentando, um pouquinho a cada mês. para calcular o seu, basta somar tudo que você tem e subtrair tudo o que você deve (ou ainda precisa pagar).
pode ser que essa conta resulte em um número negativo, e tudo bem. não é o ideal mas também não é o fim do mundo (é algo até bem comum — especialmente entre pessoas mais jovens). ter essa clareza é só um bom primeiro passo pra traçar uma rota daqui pra frente. a sugestão básica é que essa rota inclua quitar todas as dívidas e começar a economizar alguma grana todo mês.
a jornada é longa, e não precisa ter pressa — por aqui já faz um tempo que aderi ao enriquecimento slow, e recomendo. o que você precisa lembrar é simples: o patrimônio mede sua riqueza. quanto maior ele for, mais rica você é.
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escapando a lógica do consumo
falar sobre dinheiro é também falar sobre construção de identidade.
vivemos em uma sociedade que confunde ser e estar no mundo com consumir. a sensação é a de que, para ser a pessoa que queremos ser, precisamos comprar certas coisas, vestir certas roupas, frequentar certos lugares que farão o trabalho de comunicar para o mundo: olha só, eu sou essa pessoa!
usamos objetos como forma de comunicação e afirmação da nossa identidade.
o que pode acabar sendo uma grande armadilha financeira, especialmente quando ainda estamos descobrindo quem exatamente nós queremos ser. nessa fase de descoberta, ficamos suscetíveis a confundir construção de identidade com consumo desenfreado de objetos (e marcas) que julgamos nos representar.
aqui existem dois problemas.
o primeiro deles é que, obviamente, para ser não precisamos consumir nada. na maior parte do tempo esquecemos disso, e o mercado explora esse furo no nosso roteiro pra nos empurrar ilusões em formato de produto.
uma estratégia extremamente comum no marketing contemporâneo, especialmente no contexto das mídias sociais, é a venda de um estilo de vida ou de uma vibe ao invés de simplesmente produtos. canso de abrir redes sociais de marcas que não conheço para ler uma descrição curta que não me diz absolutamente nada sobre o que eles vendem, trazendo apenas uma coletânea de frases de efeito. essa estratégia se baseia exatamente na ideia de que o que você faz ao comprar um produto não é comprar o produto em si, mas sim uma identidade.
é mais fácil comprar um roupa nova que me faça sentir como uma empresária de sucesso do que efetivamente criar e gerenciar um negócio de sucesso. é mais fácil comprar uma maquiagem com o pretexto de me sentir mais autoconfiante do que de fato me esforçar para cultivar uma relação saudável comigo mesma.
e esse papo todo nos leva ao segundo problema que enxergo nessa lógica do consumo.
ao nos deixar levar pela falácia de que basta consumir um produto para nos tornar quem queremos ser, nós esquecemos de nos dedicar ao que de fato vai nos levar a algum crescimento pessoal. esquecemos que quem nós somos tem muito mais a ver com nossos valores, nossas relações, a forma como tratamos as pessoas e as coisas que construímos no mundo, do que com a fachada que decidimos exibir por aí.
não tenho a intenção de tornar esse texto uma grande lição de moral — claro que é divertidíssimo comprar uma roupa nova e sentir como se de repente fôssemos uma nova pessoa. claro que as coisas que nós temos e usamos dizem, em alguma medida, também sobre quem nós somos. mas é preciso ter cuidado para não esquecermos de todo o resto.
acho que o antídoto para não cair no golpe de achar que podemos comprar toda uma identidade, que podemos escapar de nós mesmos a partir do que consumimos, é construir com cada vez mais clareza e diligência um senso afiado de quem somos e quem queremos ser. quais são nossos valores, nossos sonhos, onde queremos chegar. voltar pra nossa vida real, e construir uma relação autêntica com quem a gente é de verdade.
quanto mais segura eu estou de quem eu sou, menos vulnerável eu fico de cair no marketing que tenta me vender uma nova identidade a cada trend de tiktok e anúncio do instagram. menos eu sinto necessidade de consumir para ser. e mais dinheiro sobra na minha conta para o que realmente importa.
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a questão do mindset
se você nunca ouviu falar da disputa mindset de escassez vs. mindset de abundância, considere-se privilegiada.
eu sei que usar a palavra mindset vai fazer uma boa parte dos leitores revirar os olhos — mas considero um tema importante quando falamos de autocuidado financeiro.
mindset nada mais é do que mentalidade, e, no contexto das finanças pessoais, basicamente se refere a nossa relação com o dinheiro. nossas crenças sobre ele, a forma como ele opera nas nossas vidas. uma pessoa com o chamado mindset de escassez seria alguém que opera com base no medo da falta; alguém com o mindset de abundância acredita fielmente que o dinheiro circula por aí e estará sempre disponível quando ela precisar.
considero isso tudo um pouco etéreo demais, e na prática sabemos que as coisas são muito mais complexas — uma “mudança de mindset” não irá subitamente resolver todos os seus problemas.
dito isso, acho que existe um fundo de verdade nessa história toda: todos nós carregamos crenças ao longo da vida, e tomamos decisões com base nelas.
invariavelmente, o primeiro passo pra mudar alguma coisa é acreditar que essa mudança pode ser possível. mas acho que podemos aprofundar um pouco essa conversa.
nossa forma de encarar o dinheiro naturalmente muda conforme a nossa vida muda. não existe um mindset certo ou errado, existe o que funciona para cada momento das nossas vidas. o que precisamos é de um pouco de atenção para não nos apegarmos a ideias que eventualmente podem já não nos servir mais.
não é raro a gente evoluir, mudar nosso cenário externo, e continuar carregando crenças que foram construídas em contextos anteriores. o truque aqui é sempre estarmos atentas para atualizar nosso sistema operacional sempre que nossas circunstâncias são atualizadas também.
para além disso, a tentativa de evitar o tal “mindset de escassez” pode ser uma grande armadilha para justificar irresponsabilidades financeiras. não é raro ver pessoas justificando o próprio consumismo ou criticando quem decide viver uma vida mais comedida com base numa definição limitada do que seria escassez.
abundância nada tem a ver com andar de BMW e viajar de primeira classe. e é aqui que quero chegar: qual é a sua definição de abundância? de novo, reforço: o objetivo desse pequeno guia não é ser uma grande lição de moral. o que eu quero não é te influenciar a gastar menos, mas sim chamar sua atenção para investir no que realmente importa. para mim, abundância seria algo próximo disso. poder colocar meu dinheiro naquilo que importa — no presente e no futuro.
gosto da definição do Remit Sethi do que seria uma “vida rica”: usar o seu dinheiro para viver de acordo com seus valores e prioridades. isso significa gastar de maneira consciente naquilo que te traz alegria de verdade, e cortar gastos sem dó naquilo que simplesmente não importa pra você. no caso de Sethi, isso envolve frequentar hotéis de luxo pelo mundo enquanto dirige o mesmo carro há mais de 15 anos. e pra você?
✹ extra: isso é uma recomendação de investimento
eu tenho um pouco de bode de recomendar coisas na internet, porque acho que todos nós precisamos é de menos coisas pra comprar, ler e ouvir. por isso, apesar de existirem milhares de livros, newsletters, podcasts que falam sobre dinheiro e finanças pessoais, eu vou te dizer pra procurar apenas um: A psicologia financeira, do Morgan Housel5.
esse é genuinamente o único livro de finanças que eu indico pra todo mundo que conheço, e o único que revisito com frequência. além de dono de insights geniais, Housel tem uma escrita muito fluida e zero chata — o que vindo de mim é um grande elogio, visto que detesto livros sobre finanças e acho todos um grande tédio. digo com tranquilidade: se você quer desenvolver um bom self-care financeiro, esse livro vai te colocar no caminho certo.
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eu poderia falar muitas outras coisas sobre dinheiro, finanças pessoais, e como eu lido com tudo isso. mas esses quatro pontos que eu trouxe aqui estão no meu top coisas mais importantes que todo mundo deveria saber para ter uma vida financeira mais equilibrada. apresentei os meus conceitos e ideias favoritos, mas aplicar isso tudo na prática envolve talvez um pouco mais de estudo e certamente alguma disciplina.
o dinheiro sempre vai existir nas nossas vidas, e temos tempo para aprender a lidar cada vez melhor com ele. como eu disse ali em cima, a jornada é longa! espero ter te ajudado com algum insight.
no mais, e como sempre, minha caixa de entrada e a seção de comentários estarão sempre abertos para continuar esse papo. te vejo por lá.
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💌 notas da autora e conversinhas paralelas
hoje falei demais? é que dinheiro é um assunto extenso, né. eu, particularmente, acho interessantíssimo. me conta o que você acha?
enquanto escrevo isso, brasília (de onde vos falo) está em chamas e as eleições para a prefeitura de são paulo viraram um grande caos — sobre o qual não sou capaz de opinar. talvez esses sejam prenúncios de que o mundo está mesmo acabando.
enquanto ainda estamos aqui, deixo as duas últimas edições pra quem tiver perdido:
espero te ver nas próximas!
-Larissa
ei, não tenho nada contra pessoas blogueiras e influenciadoras digitais, tá? elas estão fazendo o trabalho delas — e a gente tem que fazer o nosso, de cuidar muito bem do nosso dinheiro e da nossa atenção.
também entram na categoria dos passivos as dívidas ou contas que você ainda precisa pagar — como o saldo de parcelas pendentes no cartão de crédito ou em um financiamento, por exemplo.
o que não equivale a dizer que você nunca deve ter passivos (como o carro)! só significa que, quando for possível, cabe analisar se é de fato o momento certo antes de decidir por comprá-los.
junto do fluxo de caixa, que é basicamente o que te diz se você tá terminando o mês no verde ou no vermelho.
link afiliado! vide nota de rodapé #1.
ótimo texto! pra mim, que veio das humanas e de uma família um pouco disfuncional em termos de grana (talvez não só de grana, pq grana nunca é só grana), esse papo toca demais! estudar e praticar planejamento financeiro mudou minha vida em um sentido muito mais geral que eu poderia esperar, e lamento muito a resistência que me acompanhou tanto tempo devido a uma certa contaminação coachística da discussão sobre dinheiro. Bora construir cada vez mais espaço pra falar de dinheiro de uma perspectiva menos matemática e mais humanística - se trata da nossa vida, afinal. Que continuemos essa conversa, obrigada apelo texto. (:
amei que esse texto chegou pra mim um dia depois de prestigiar minha aluna em uma aula sobre esse exato tema: planejamento financeiro e a forma com que entendemos dinheiro e riqueza.
adorei que você, assim como ela, destacou a importância dos valores pessoais como grandes guias desse nosso autocuidado financeiro - termo maravilhoso, inclusive (se fosse você, patentava).