nos últimos dias comecei a esboçar várias ideias para a edição de hoje, mas nenhuma parecia engatar. todas pareciam pessimistas, desesperançosas, entediantes demais. era tudo reclamação.
e por algum motivo, eu não queria reclamar essa semana.
talvez esse assunto já esteja um pouco repetitivo por aqui, mas eu tenho buscado uma vida mais leve e bem humorada. uma postura mais curiosa, aberta, interessada no que pode vir de bom — e menos preocupada com o que tem vindo de ruim.
não me leve a mal, tem muita coisa ruim acontecendo no mundo. acho que a gente tem mesmo muito motivo pra reclamar. mas, como já estabelecemos, tenho achado meio chata essa postura excessivamente crítica da vida. me parece mais interessante viver.
foi nessa tônica que essa semana li um artigo no substack que, e não estou exagerando quando digo isso, talvez tenha mudado um pouco minha vida — ou pelo menos a forma como tenho olhado pra ela. em “Everyone is numbing out" (Todo mundo tá se anestesiando, em tradução livre), a escritora e comediante Catherine Shannon traz a seguinte tese: tudo que algum dia trouxe sentido e significado para a vida das pessoas comuns, como eu e você, hoje é tratado com sarcasmo e deboche — e estamos todos mais infelizes por isso.
a faculdade é um desperdício de dinheiro, o trabalho é um desperdício de vida, casamento é só um pedaço de papel, ter filhos é um pesadelo, família é um fardo, etc, etc1. enquanto eu lia todos os exemplos que ela listava — e em alguma medida me identificava com cada um deles — não conseguia me desvencilhar da sensação esquisita de que, até quando eu achava que estava me defendendo do combo capitalismo + patriarcado, eu estava na verdade mais um vez deixando os dois se infiltrarem em cada pedacinho da minha vida.
talvez essa seja uma leitura um pouco dramática, que denuncia que eu passo tempo demais na internet. e claro que cada um de nós tem suas próprias definições de sentido. mas I couldn't help but wonder…2 enquanto eu tentava me blindar de tudo que o “sistema” poderia trazer de ruim, me achando a mais esperta e elucidada do rolê, será que na verdade o que eu estava fazendo era evitar cultivar todas as coisas que poderiam me trazer algum significado, alguma sensação de completude?
não que essa completude algum dia vá existir, claro. é na tentativa de eventualmente ficar em paz com essa ideia que toda semana deito no divã. mas quero acreditar que existe espaço, entre o vazio e a falta que são estruturais à condição humana, para a autorrealização e a satisfação de construir coisas com as quais nos importamos, e para as quais dedicamos nosso espírito. seja uma faculdade, uma carreira, um casamento, uma família, ou qualquer outra coisa que nos der na cabeça.
é sobre isso que tenho pensado ultimamente. a sensação é que em algum lugar no meio do caminho3, e meio sem perceber, eu acabei me retirando da minha própria vida. me colocar na defensiva trouxe como efeito colateral um entorpecimento sobre o futuro, como se não houvesse espaço para a esperança ou para a construção de saídas. “era apenas autodefesa, até que me vi construindo uma arma”4 — uma arma que acabei acidentalmente apontando pra mim.
como eu disse lá no início: a gente tem muito o que reclamar desse sistema que parece se esforçar pra tornar cada aspecto da nossa vida mais difícil do que precisava ser.
mas ultimamente, tem me interessado mais pensar sobre como a gente pode ser resistência — e por resistência quero dizer simplesmente: sermos cada vez mais humanos. dançando quando nos querem parados, cantando quando nos querem calados, juntos quando nos querem isolados. criando, quando nos querem meramente produzindo.
dia desses fui na Travessa aqui de Brasília. fiquei perambulando pelos corredores de livros, fascinada com a quantidade de histórias que as pessoas têm pra contar (e contam!), e fiquei pensando na forma como a livraria deixa, ali no centro da loja, pilhas de livros dos mais variados assuntos meio misturados entre si. me vi folheando coisas que jamais teria descoberto com o algoritmo da amazon ou do instagram. acho genial que seja assim. na vida real, a gente deveria sempre almejar ir na contramão dos algoritmos, mesmo — nem que seja por teimosia de poder dizer: “isso você não pode fazer”. nem que seja simplesmente porque a gente pode.
dito tudo isso, não sei se tenho alguma conclusão. sempre ouvi dizer que a vida é uma dança, e talvez seja mesmo. e eu achava que meu problema era que eu nunca soube dançar.
ultimamente tenho entendido que — e talvez seja essa a conclusão — o problema é eu algum dia ter acreditado que precisava saber.
☕️
💌 notas da autora e conversinhas paralelas
semana passada não tivemos newsletter por motivos de uma pequena virose + uma mega TPM que roubou qualquer milímetro de criatividade que algum dia havia habitado meu corpo. por um breve momento, ser uma mulher e escrever newsletters semanais se tornaram coisas absolutamente antagônicas para mim. mas isso é passado: estamos de volta.
nessa minha última ida à Travessa, trouxe pra casa “A importância de ser prudente”, de Oscar Wilde. não tem uma página sequer que esse homem tenha escrito que não seja recheada de bom humor e inteligência — um deleite. na missão de cultivar mais alegria e leveza na minha vida (essa newsletter está virando praticamente um diário dessa jornada), é bem isso que eu tenho procurado nos livros. se tiver boas recomendações, deixa nos comentários?
espero te ver nas próximas,
-Larissa
“so many of the things that once gave the average person’s life real meaning are now treated with sarcasm and contempt: college is a waste of money, work is a waste of your life, getting married is just a piece of paper, having kids is a nightmare, family is a burden, hobbies are merely quaint, earnestly expressing yourself is cringe, leaving the house is exhausting, religion is for idiots, the list goes on. If you allow yourself to internalize this perspective, eventually everything becomes a dumb joke.”
(e um breve parênteses: absolutamente genial que no substack um texto escrito há mais de um ano ainda é recomendado e encontra seus leitores, né?)
“não pude deixar de me questionar”, frase icônica de Carrie Bradshaw, protagonista de Sex and the City.
se eu tentar colocar um marco temporal aqui, provavelmente chegaria a 2020, e todos nós sabemos o que também aconteceu naquele ano. talvez toda essa crise existencial não passe de um estresse pós traumático residual?
“it's just self defense, until you're building a weapon”, verso da Lorde na música Girl, so confusing featuring lorde.
Curto muito o modo como coloca suas frustrações sobre os aspectos comportamentais da sociedade. Há um vício maluco de criticarem demais tudo e o medo de ser criticado por qualquer coisa. Saber que há pessoas que vêem isso dá um conforto estranho no coração
Eu tento não reclamar tanto também, sinto que uma parcela de pessoas tenta demais atacar o status quo, mesmo quando isso significa julgar formas de se viver e comportamentos sociais. Gente? Tem gente que ainda quer viver certos sonhos, qual o problema nisso? Muito esquisito essa dinâmica social em que todo mundo se aponta o dedo e todo mundo quer pertencer ao grupo "descolado" da realidade.
Amei o seu texto sobre isso! (mesmo que seja uma reclamação KKKKKKKKKKKKK)