hoje o dia estava chuvoso, e eu estava morrendo de tédio. queria me arrumar, sair, usar minha bolsa nova que acabou de chegar pelos correios, me sentir uma pessoa no mundo.
e é assim que a edição de hoje começa: estou sentada num café, e sou uma pessoa no mundo.

algo sobre estar em público me faz sentir que sou de fato uma pessoa. a maior parte do tempo vivo dentro da minha própria cabeça, onde as coisas são etéreas e tudo é imaterial. quando saio no mundo, e vejo pessoas e sou vista, subitamente me lembro: eu existo!
é que algumas coisas tem mudado por aqui, coisas grandes e importantes, e nesse turbilhão acabei caindo em um dos meus hábitos mais antigos: o de me esconder do mundo. nessas horas de caos, o conforto, a segurança e a previsibilidade do meu próprio apartamento parecem os únicos bálsamos possíveis — embora eu desconfie que talvez esse conforto todo, esse isolamento, não sejam lá grandes bálsamos. os hábitos antigos são difíceis de quebrar afinal, e um dos motivos para isso é que eles apresentam bons (ainda que falsos) argumentos para a sua manutenção.
em paralelo, as redes sociais também tem me causado profundo tédio. no instagram tudo é raso demais, no youtube o conteúdo é repetitivo, no tiktok há uma crise de seriedade e as coisas são sempre uma grande brincadeira. no substack, o feed do notes me parece uma longa sequência de lições de moral: que tipo de conteúdo pode ou não pode ser escrito, que tipo de pessoa pode ou não pode escrever, que tipo de escrita tem ou não tem valor. e aí, de novo, a única coisa que me ocorre é a vontade de me retirar.

por outro lado, existir na vida real dá trabalho, e confesso ter dificuldade com isso também. ainda mais sendo uma ex-cronicamente online em recuperação. a meta é ser cronicamente offline, o desafio é que pra isso eu preciso bancar minha existência na vida real — e isso dói1. é desconfortável, por definição. então me encontro nesse limbo intermediário, no limiar entre online e offline: o online me entedia, o offline me assusta.
e com isso voltamos ao meu assunto menos preferido e mais recorrente: reclamar da vida digital. eu sei, eu sei, ninguém aguenta mais falar sobre isso. e, tudo bem, acredito que a internet pode ser boa — para pessoas mais equilibradas, talvez. infelizmente, o equilíbrio nunca foi uma das minhas qualidades naturais.
acho que eu tenho uma crença sem fundamento de que as pessoas que fazem coisas (e portanto existem) no mundo real não sentem qualquer desconforto. que a ausência de desconforto, de medo, de incerteza, seria um pré-requisito para que eu pudesse sair do lugar. obviamente esse não é o caso, mas isso só é óbvio pro meu lado racional. um pedaço poderoso e primitivo do meu cérebro, à revelia do que diz a realidade, ainda insiste em se agarrar a esse ideal do conforto. e é nesse lugar que estou hoje.
é como um cabo de guerra comigo mesma, entre o meu inconsciente e minha racionalidade — mas não sei se essa via da força é mesmo a mais eficiente pra me tirar daqui, desse meio do caminho entre o querer fazer e o fazer de fato. não seria a via do afeto2 mais eficaz?
misturar essas duas coisas, afeto e eficácia, me parece estranho. mas se definirmos eficácia como “a virtude ou poder de produzir determinado efeito”, e se considerarmos que o efeito em questão — cruzar a linha entre o desejo e o ato — é algo muito mais subjetivo do que objetivo, parece razoável olhar para o afeto como um recurso. como uma ferramenta.
de toda forma, o desconforto vai sempre estar aqui. porque até no conforto existe um desconforto implícito, de não estar me movendo, construindo, criando, fazendo e acontecendo por aí. e, novamente, me parece que a via do afeto é o melhor bálsamo, ainda que não um antídoto, para qualquer um desses desconfortos.
no fim do dia, não importam nossas intenções — o que existe são nossas escolhas. eu posso pensar, refletir, racionalizar, filosofar sobre o que quer que seja, mas a única coisa que posso fazer é uma escolha. e depois mais outra, e outra, e outra. assim se constitui quem eu sou. e, para citar o clichê, a ausência de escolha é por si só uma escolha também.
isso tudo pra dizer que, entre eu e aquilo que quero construir, está apenas uma sequência de escolhas. e eu ainda estou protelando em fazê-las, pelo menos as mais importantes. e é engraçado, talvez por isso eu tenha sumido da sua caixa de entrada no último mês. quando uma escolha se mostra difícil, parece que todas as outras se tornam impossíveis também. então hoje, pelo menos, posso dizer que fiz uma escolha importante: a de sentar e escrever pra você.
o que também é, de certa forma, a escolha de assumir minha existência e reafirmar: eu estou aqui.
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💌 notas da autora e conversinhas paralelas
pois é, eu genuinamente não sei se alguma coisa do que acabei de escrever fez algum sentido, mas nesse mês em que estive sumida dessa newsletter foi nesses assuntos que eu estive pensando. não basta querer “sair da internet”, é preciso também bancar existir na vida real. esse tem sido um grande processo por aqui — e por isso um assunto recorrente nessas nossas conversas.
confesso que, apesar de sentir uma certa culpa por não estar publicando com consistência, eu gostei de silenciar por um tempo. sempre tenho a sensação de que tem coisas demais sendo ditas na internet, e apesar dessa pressão para que sejamos todos “consistentes”, gosto da ideia de poder fazer pausas de vez em quando. é bom para arejar as ideias.
no mais, sigo por aqui vivendo minha vida comum e tentando dar algum sentido a esses e outros devaneios.
espero continuar te vendo por aqui nas próximas edições,
-Larissa
tenho pensado bastante sobre isso, e quero montar um edição mais longa pra me estender no assunto. em breve?
sei que a palavra afeto pode ser usada para denotar o conjunto de emoções que sentimos (sendo cada uma delas nossos afetos), mas aqui uso a palavra no sentido tradicional de carinho e afeição.
que bom te ver de novo por aqui!
acho que essa edição me trouxe uns questionamentos que eu nem sabia que tinha. (in)felizmente, me retirei das redes sociais justamente num momento de maior introspecção, onde o esforço para estar no mundo me parece muito cansativo e, embora eu ache cafonerrimo o discursinho de jovens senhoras o legal é ficar em casa sozinha vendo netflix, meu inconsciente, talvez com esse mesmo assombro do offline e do existir no mundo, tem me empurrado sorrateiramente pra essa narrativa meio jovem crente clean girl.
recorramos ao afeto. o tradicional, não o da agência obvious.
Que texto sensacional. É exatamente isso. Terminei o colégio recentemente. Havia instalado o insta no começo desse ano só pra me popularizar na escola, postar um tantão e é isso. Não cheguei a postar tanto, mas o primeiro intuito deu certo. Nesse término de escola, já desinstalei de novo. Comparação, tempo ocioso e scrollando a tela. Há algumas coisas que me inspiram, mas algumas levam mais para baixo ainda. Nessa bendita introspecção que me faz pensar, pensar, pensar, tomar uma decisão e enfim! É entediante assim como me deixa energético. E estar offline é tentar alinhar essas ideias mas lidar com o peso de se olhar no espelho e pensar "uau, eu sou assim? Eu gosto disso mesmo?"
É saber andar pelos parques e decidindo entre tentar focar nas árvores para aliviar os pensamentos, ou conversar consigo mesmo mas em contrapartida, ignorar o cenário.
Essa contemporaneidade anda deixando minha mente meio lelé. Não sei se fico sozinho. Se busco independência para sair mais sozinho, enquanto também tenho companhia em casa. Vivo buscando respostas todos os dias e quando vejo, já anoiteceu. Fico apreensivo para fazer planos pro dia seguinte, mesmo que seja uma data festiva, como foi no natal. Bancar a si mesmo é bizarro.