aprendendo a dizer sim pra vida (e a receber sinais do universo)
cronicamente offline #002
esses dias uma joaninha entrou na minha casa.
numa breve pesquisa, descobri que joaninhas são sinal de boa sorte, e que encontrá-las por aí, ou receber a visita de uma delas em casa, pode ser um bom presságio de que coisas incríveis estão por vir.
acontece que a que me visitou era enorme, eu achei que ela era uma barata, e sem pensar duas vezes peguei um veneno e matei. simples assim.
até pensei se deveria escrever sobre isso aqui, porque talvez matar baratas, joaninhas, ou seja lá qual for o inseto, não seja a coisa mais politicamente correta do mundo, e eu não queria admitir que sou a pessoa que comete esse tipo de crime ambiental vez ou outra. mas as experiências podem ser tão profundas quanto forem as lições que escolhemos tirar delas, e nesse caso da joaninha, eu me peguei em várias reflexões desconcertantes sobre como tenho levado minha vida.
sabe, na hora que eu ouvi o zumbido característico dos insetos e os ruídos que denunciam um bichinho voando entre os cantos da minha casa, um gatilho foi acionado no meu cérebro. moro num apartamento de 35m², e conviver com insetos num espaço tão pequeno me dá uma certa angústia. vivo eternamente com medo de encontrar algum bicho estranho no meio das minhas coisas, dentro do meu sapato, em um armário da cozinha.
foi por isso que não pensei duas vezes: o que me fez pegar o veneno e matar aquela joaninha foi o medo.
e eu me pergunto quantas vezes agi a partir do medo e acabei matando a boa sorte na minha vida.
tivesse eu partido da curiosidade, teria olhado mais de perto pra saber que bichinho era aquele. tivesse eu partido da paciência ou de um pouquinho mais de afeto (no lugar da irritação de ter um inseto dentro de casa quando eu tava ocupada fazendo outra coisa), eu teria tentado pegar o bichinho gentilmente para levá-lo lá pra fora (como às vezes faço!).
quanta boa sorte eu deixei de trazer pra minha vida porque agi a partir do medo, da raiva, da expectativa negativa? e porque é tão difícil fazer o contrário?
é muito difícil aprender a dizer sim pra vida.
envolve aprender a receber. envolve acreditar que mereço coisas boas. envolve a culpa de talvez conquistar coisas que ninguém à minha volta, ninguém do lugar de onde eu vim, sequer algum dia imaginou conquistar. envolve assumir meu lugar no mundo, assumir os meus desejos e minha própria alegria de estar viva. envolve gratidão.
talvez essas sejam coisas fáceis pra muita gente. certamente não são pra mim. basta ver o que aconteceu com a joaninha.
já faz um tempo que estou às voltas com todas essas questões. sou a filha mais velha de um relacionamento conturbado, e minha cabecinha de criança entendeu que o peso do mundo deveria ser carregado por mim. ser uma boa garota, inteligente, esforçada, organizada, correta, comportada, sem nunca dar trabalho era minha única defesa — era a única chance de manter uma família que eu julgava estar a um passo do colapso de desmoronar na minha frente. hoje, claro, eu tenho outra percepção.
na teoria, hoje eu entendo que meus pais eram só seres humanos comuns com seus erros e acertos, virtudes e defeitos, fazendo o que podiam e o que queriam e vivendo suas vidas. eu não poderia salvar coisa alguma porque não havia o que ser salvo. na teoria.
na prática, acho que ainda sou aquela garotinha que carregava o mundo em sua mochilinha da barbie.
e agora, adulta, é difícil abrir mão desse controle. é difícil admitir que tá tudo bem esperar coisas boas da vida.
dizer sim para a vida significa se colocar vulnerável — e confiar na própria capacidade de lidar com o que vier. significa inclusive dizer não para algumas pessoas, situações ou oportunidades. a vida não é só bolinho, então estar aberta a ela é também se colocar aberta ao fracasso, ao erro, à decepção. e ao sucesso, aos acertos, ao deleite.
quando desejo uma vida de leveza, alegria e contentamento, estou desejando também uma vida com desapontamentos e frustrações. mas acho que o ponto é nunca parar de esperar por coisas boas. é não se retirar da tal arena, mesmo quando as coisas não saem como planejado. é acreditar que novas oportunidades e coisas maravilhosas nos esperam se só continuarmos.
quando penso no que significa viver uma vida menos online, uma coisa para a qual sempre acabo voltando é: no offline, a gente nunca sabe o que vai acontecer a seguir. não tem nenhum algoritmo filtrando as pessoas, as ideias e as situações para apenas aquilo que a gente quer ver. nada (ou quase nada) dura apenas 15 segundos.
por isso penso que a decisão por uma vida mais offline é a decisão por abraçar o inesperado. é nutrir curiosidade pelo que ainda não sabemos, pelo que não podemos prever ou sequer controlar. é ir aos pouquinhos se abrindo para a bagunça da vida.
e isso é um constante aprendizado.
não se trata de simplesmente “apagar as redes sociais”. é na verdade aprender a bancar o que vem depois. é aprender a levantar a cabeça das telas e olhar em volta. se interessar pelo que tá acontecendo ao nosso redor, mesmo quando não for exatamente como a gente queria, mesmo quando não for como a gente achava que deveria ser. é entender que as coisas são o que são e começar a ver alguma beleza nisso. é encarar com diversão os tropeços, as situações embaraçosas, os momentos em que a gente não sabe como agir porque no nosso script mental as coisas não eram bem assim. é aprender a arte do improviso.
imagino que até um tempo atrás tudo isso era óbvio. mas como alguém que viveu de maneira cronicamente online pelos últimos, sei lá, dez ou quinze anos, posso dizer que por aqui isso tudo é mesmo uma grande novidade.
sem perceber, eu fui me acostumando com uma vida contida nos contornos previsíveis de algumas telas. e agora, pela primeira vez, estou começando a me interessar mais pelo que vejo lá fora.
☕️
💌 notas da autora e conversinhas paralelas
escrevo essa nota final rodeada por caixas e pacotes: estou de mudança. vocês podem imaginar o caos. por isso não tenho muito tempo para me estender aqui, e não consigo pensar em muito mais coisas além da infinita lista de tarefas que me espera.
dito isso, a retrospectiva do spotify acabou de sair, e essa é uma das minhas tradições de fim de ano favoritas. eu me recuso a aceitar que meu segundo artista mais tocado foi o OASIS (!), mas com certeza já sabia que minha música mais tocada seria Paper Bag, da Fiona Apple. aparentemente eu estou no top 0,005% ouvintes, o que é bastante impressionante. além disso, obviamente Charli xcx está no meu top 5 artistas. tenho a sensação de que ela estará no top 5 de muita gente esse ano.
aos curiosos, essas foram as mais tocadas por aqui:
e aproveito a deixa pra lembrar que esta newsletter tem uma playlist!
por fim, deixo aqui as duas últimas edições, caso você tenha perdido:
por hoje é só! espero te ver nas próximas,
-Larissa
você me lembrou muito a clarice linspector fazendo essas reflexões acerca de coisas do cotidiano. seu texto é maravilhoso
Seu texto trouxe um aconchego, obrigada 🤍