eu não sou dessas pessoas que sonha em deixar a cidade natal e nunca mais voltar. não mais.
já fui, no auge da minha adolescência — passando tempo demais no tumblr, sonhando acordada como seria morar em nova york. esse sonho eu realizei. fui, voltei, depois achei que meu novo sonho seria morar em são paulo. aí o tempo passou, fui a são paulo algumas vezes, mudei para brasília, e é lá onde vivo hoje.
escrevo essa newsletter da casa da minha mãe, na minha cidade natal. e voltando ao início desse texto: não queria ir embora.
sempre que estou por aqui, sento na varanda, fico olhando os carros passarem e penso como seria voltar a morar em joão pessoa, agora como adulta, pagando minhas próprias contas, fazendo minhas próprias escolhas.
ultimamente tenho sentido muita vontade de ter. ter mesmo, não ser (embora eu também queira ser muitas coisas — escritora é uma delas).
ter. minha casa, meu carro. meus móveis, minha geladeira, minhas louças, minha decoração. desde que me mudei pra brasília, sempre aluguei apartamentos mobiliados, pela facilidade, pela praticidade, e acho que também pra não admitir pra mim mesma que estava indo sem previsão de voltar. “imagina comprar tudo aqui e ter que levar de volta pra outro estado?”
e então minha vida foi ficando…pouco sólida. pouco minha. ou talvez não minha vida (vamos economizar essa drama), mas certamente minhas coisas.
o quanto da minha vida são minhas coisas?
bom, minha geladeira não é minha. minha cama não é minha.
e hoje tudo que eu queria era chegar na minha casa, dirigindo o meu carro. não seria incrível?1
imagina um apartamento amplo, em planta aberta, a luz natural vindo de uma janela enorme ou talvez uma varanda. vendo a rua lá embaixo, ou uma paisagem bem verde, ou o mar. um sofá grande, confortável, que abraça. eu pagaria muito dinheiro nesse sofá. uma mesa redonda, de quatro lugares, ou talvez seis. uma bancada, tipo breakfast bar, entre a cozinha e a sala, com aqueles banquinhos altos, para sentar e bater um papo ou comer alguma coisa no dia a dia. talvez umas luminárias bonitas, e uma obra de arte — uma de verdade, comprada naquela galeria nova que abriu aqui perto. e meu quarto, e meu escritório. meu escritório! posso colocar uma cama de solteiro lá pras visitas, ou talvez um sofazinho dois lugares para eu sentar quando quiser pensar na vida ou só estiver entediada. talvez uma mesinha alta na janela para trabalhar em pé de vez em quando? ouvi dizer que é importante. e flores, ou plantinhas vivas para eu cuidar. e um gatinho! um gatinho. no meu quarto eu quero uma cama bem confortável, com uma super roupa de cama e edredom. falando nisso, vou precisar de uma máquina de lavar.
é racional querer isso tudo? não sei. mas não é encantador?
encantamento.
acho que quero mais encantamento na minha vida. apreciar as coisas pequenas, e as grandes também. me permitir querer, mesmo aquilo que não é racional, mas que me traz um sorriso fácil só de pensar. me permitir sonhar.
uma certa curiosidade com o que a vida pode ser. uma fé de que ela pode ser boa.
a vida pode ser boa: isso muda tudo. porque se a vida pode ser boa, eu não preciso ficar onde ela é só ok. entende? se está ok, pode ser melhor, porque a vida pode ser boa. “boa” é gigante. é tipo o suprassumo, o ápice do que poderia ser, porque não é o extraordinário, que passa, ou o melhor, que por definição se compara. é boa.
me parece um bom ponto de partida.
e de chegada.
☕️
💌 conversinhas paralelas e notas da autora
o texto de hoje foi mais curtinho, e começou como uma entrada no meu diário. para seguir no tema, duas coisas que me trouxeram encantamento essa semana:
💿 um dos meus álbuns favoritos da vida é o strange desire, do bleachers. esse ano o álbum completou uma década, e a banda irá lançar uma versão reimaginada, dessa vez “sem a armadura que [jack antonoff, vocalista e compositor] precisava naquela época”. Wild Heart é o primeiro single.
🖼️ esse artigo, originalmente do The New York Times, perguntou aos guardas de alguns dos maiores museus do mundo sobre suas obras favoritas. uma preciosidade.
Às vezes, entra alguém meio preocupado porque não sabe nada de arte, e digo: "Mas você sente! Não é preciso conhecer arte, e sim senti-la.”
por hoje é só isso. o que tem te encantado por aí? vou adorar saber!
-Larissa
claro que isso tudo tem implicações materiais e financeiras. o texto de hoje não é sobre isso, mas o da semana passada foi:
O auge dos meus 23 anos, me cansei de tanto “tem que ser” antes de “ter” que vemos tanto na internet. No momento já SOU o que gostaria de ser, tendo minha idade, fazendo faculdade e morando com minha mãe e meu padrasto. Por isso sonho tanto com o TER. Ter minha casa, ter minha família, um trabalho…
Esse texto me tocou por justamente ser os sentimentos que eu sinto, mas não conseguia admitir que neste momento o sonho do ter é maior do que ser!
Fiquei curioso: com o que você trabalha?