saturno, pequenas metas e o que eu faço quando ninguém tá vendo
celebrar cada passo dado é celebrar o percurso inteiro
1.
esses dias eu tava refletindo sobre como acho estranho fazer as coisas por mim.
sou acostumada a fazer pelos outros e para os outros. fazer pra mim… é esquisito.
uma rotina da manhã, um exercício físico, me alimentar bem, manter uma rotina organizada. nada disso ajuda ninguém além de mim. são coisas que ninguém sequer vê, que acontecem quando só eu estou lá testemunhando. nessas horas me vem uma sensação de “qual é o sentido disso? por que eu preciso fazer isso? vou ter que fazer isso pro resto da vida? pra quê?”
— ora. pra mim. para o meu bem estar. para que eu aproveite minha vida, goste dela. para que eu me sinta bem.
essa é a minha voz sensata falando.
tenho outra voz que insiste: mas pra quê?
acho que não estou habituada ao conceito de simplesmente me sentir bem. nunca parece suficiente.
fazer as coisas simplesmente pra me sentir bem me desperta a sensação de que falta algo maior, algo mais excitante, algo mais. talvez porque se algo é mais e maior, acaba aparecendo pros outros — e sendo pros outros a coisa de repente ganha mais sentido do que quando era simplesmente pra mim.

talvez eu esteja racionalizando demais algo que seja de simplesmente sentir. talvez isso tudo seja na verdade sobre me acostumar com a ideia de me sentir bem, e entender isso como suficiente. talvez seja só um pouco desconfortável porque nunca me foi o natural. talvez seja algo pra se aprender?
me ocorre que esse é mesmo o resto da minha vida: eu, sozinha, fazendo coisas. vivendo minha rotina, sendo uma mulher comum.
e aí me volta aquele estranhamento. volto a procurar aquele algo a mais, de diferente, de extraordinário; me vem uma certa antecipação do tédio futuro, um FOMO generalizado de tudo que eu poderia fazer e ainda não fiz. uma sensação de que, se estou só vivendo minha vida, não estou fazendo nada.
então me pergunto: o que exatamente diferencia fazer algo de fazer nada? fazer coisas simplesmente pelo meu bem estar é mesmo estar fazendo nada?
2.
acho que uma consequência não planejada das redes sociais é a epidemia da comparação.
sabemos dos sucessos das pessoas ao nosso redor, e esquecemos de nos questionar sobre os fracassos. é mesmo muito fácil cair na fantasia de que é possível alcançar o sucesso sem passar por uma sucessão de fracassos. acho que até nos conforta um pouco alimentar essa ilusão, imaginar que num passe de mágica as coisas podem dar certo pra nós também.
normalizamos a pressão de colecionar conquistas, de alcançar muito em pouco tempo, de ter metas ambiciosas. nos convencemos de que as metas precisam ser ambiciosas para que mereçam nossa atenção.
e acho que estamos nos perdendo um pouco na escala das coisas. imagina uma sala com mil pessoas — precisaria ser uma sala bem grande. é bastante gente.
mil seguidores é bastante gente.
cem mil reais é bastante dinheiro.
é?
tendo a achar que sim, mas basta passar alguns minutos no instagram pra já não ter mais tanta certeza. e de qualquer forma, o esperado é sempre que a gente queira mais.
não porque esse mais significa algum ganho real, mas porque simplesmente é o que parece que todo mundo já conseguiu.
a internet tem distorcido minha percepção da realidade. me pego acompanhando o número de inscritos aqui dessa newsletter como se fosse apenas um número, esquecendo que na verdade são pessoas.
pessoas que leram, que comentaram, que curtiram o que escrevi. que quiseram ler mais das minhas palavras.
são pessoas! com vidas tão complexas quanto a minha, que viveram experiências que eu nem consigo imaginar, que dedicaram uma parte do seu tempo para me ler. pessoas que, de uma forma sutil e ao mesmo tempo extraordinária, agora fazem parte da minha vida — e eu da delas. uma rede que vai se formando. e na hora que me lembro disso, que volto pra vida real depois de me perder um pouco na vida cibernética, eu me acalmo.
e me lembro que, assim como aqueles que me lêem, eu também sou uma pessoa. com uma vida complexa, que viveu experiências que eu ainda consigo muito bem lembrar, e que dedica uma parte do seu tempo para escrever. e isso é suficiente.
3.
na astrologia, é saturno que fala sobre o tempo. sobre o processo de conquista de algo, que é também o processo de se tornar a pessoa que conquistou. a subida da montanha, o eterno devir.
eu tenho uma relação próxima com o tempo. aprendi com uma professora querida que ele é o ingrediente mais importante da magia. é matéria prima. ele não simplesmente passa. sou eu que passo pela vida, e tenho ele aqui disponível na minha caixa de ferramentas, no meu processo de construção de mim.
e é por isso que eu o respeito profundamente. tento sempre me lembrar do poder que o tempo tem, e de que não estou sozinha: ele estará lá fazendo seu trabalho, enquanto eu planto minhas sementes e lanço meus feitiços.
respeitar o tempo significa entender que quem acabou de começar não irá colher os mesmos resultados de quem está há mais tempo na jornada. e quando tenho a pretensão de esperar por isso — de cobrar isso da vida, do cosmos, de alguém — eu me lembro de saturno. ele, que é o ceifador do zodíaco, me puxa de volta pra realidade e me traz o lembrete de que, acima de tudo, é preciso caminhar a caminhada. e cada caminhada é única, inaugurada por aquele que caminha.
e de novo me acalmo. lembro de me divertir enquanto invento esse meu caminho, paro para apreciar a vista, às vezes volto atrás, às vezes escolho descansar. lembro que o meu caminho não é da conta de ninguém.
lembro também que limites e responsabilidades existem, que minhas ações tem consequências e que coisas sólidas são construídas pouco a pouco, paulatinamente. e passo a nutrir profundo respeito por aqueles que alcançaram aquilo que, talvez um dia, eu gostaria de alcançar também. abandono a fantasia de que tudo pode dar certo num simples passe de mágica (embora uma ajudinha do universo seja sempre bem-vinda), e finco meus dois pés na vida real.
4.
eu sou uma pessoa de exatas. isso significa que, vez ou outra, gosto de traduzir minhas reflexões em mudanças práticas na minha vida, e estou sempre procurando formas de fazer alguma coisa a partir dos meus incômodos.
não me lembro exatamente quando e onde me deparei pela primeira vez com o conceito dos tiny goals (pequenas metas), mas nos últimos tempos eles têm mudado minha relação com meu próprio progresso. o nome é bem autoexplicativo: trata-se, em essência, de quebrar grandes conquistas em pequenas metas, facilmente alcançáveis.
tenho adotado esse conceito nos meus projetos, e sinto que desde então passei a viver em outro ritmo. em outra escala.
comecei essa newsletter, por exemplo, porque queria escrever e publicar textos na internet, colocar ideias pra fora, e de certa forma, aprender a perder. perder o ideal da minha cabeça e ganhar o inesperado da vida real. embora os números de likes e inscritos sejam de alguma forma interessantes de se acompanhar (é sempre bom saber o que ressoa), não são eles que realmente importam. tento sempre me lembrar disso quando meu ego ameaça querer tomar a frente. é sobre escrever e publicar, e portanto minhas pequenas metas refletem exatamente isso1.
se você está lendo essa edição, eu estou de parabéns! acabei de bater minha segunda pequena meta de ter cinco textos publicados (a primeira foi ter apenas um). certamente estarei comemorando.
penso que trabalhar com pequenas metas é celebrar o poder do tempo. o poder que reside nos pequenos passos. é sobre entender que grandes conquistas são feitas de um conjunto de pequenas vitórias — e por que não comemorar cada uma delas?
isso torna o processo todo muito mais divertido. me ajuda a colocar as coisas em perspectiva, e a me colocar mais presente na caminhada. comemorar cada pequeno passo dado é como comemorar a jornada inteira. e acho que é exatamente assim que deve ser.
☕️
💌 notas da autora e conversinhas paralelas
a edição de hoje surgiu de vários recortes que colecionei nas últimas semanas. fez algum sentido? às vezes acho que as conexões óbvias que existem na minha cabeça talvez não sejam tão óbvias pro resto do mundo. ou talvez pensar assim seja só pretensão da minha parte.
coincidentemente, parece que os assuntos da edição de hoje tem interessado muita gente nos últimos dias.
sobre a vida comum, escreveu Vanessa de Oliveira para O Clube da Escrita:
Parece-me que, enquanto sonhamos com uma jornada grandiosa de sucesso e reconhecimento público pelas grandes obras, somos incapazes de dar os pequenos passos necessários; somos incapazes de levantar da cama e fazer o que precisa ser feito no silêncio e na obscuridade de uma vida comum, fazendo tão somente o que nos cabe para o dia de hoje, para os primeiros cinco minutos e para a próxima hora.
— clique para ler o texto completo.
já sobre metas audaciosas, me identifiquei bastante com essa edição da newsletter Um Passo:
Como posso estar satisfeita com essa vidinha mais ou menos quando todo mundo está conquistando coisas tão maiores? Conhecidos estão se casando, outros comprando carro e apartamento. Aquele amigo que ninguém dava nada foi morar em Nova York. […] Será que só as minhas paredes estão descascando? Será que só eu continuo na mesma? Por que eu corro tão devagar? E aí, de repente, a rotina calma, simples e consistente construída com tanto zelo perde a graça. Afinal, se eu não estou, pelo menos, tentando ficar rica, belíssima e grifada dos pés à cabeça o que eu estou fazendo?
— clique para ler o texto completo.
me parece que temos aqui mais um problema sistêmico (para a surpresa de absolutamente ninguém). um salve ao capitalismo tardio!
se você me leu até aqui, deixo meu profundo obrigada. escrever essa newsletter tem mesmo sido uma aventura e tanto — aqui na escala pequena da minha vida comum.
espero ter ver nas próximas,
-Larissa
provavelmente não vou manter metas relacionadas a essa newsletter por muito tempo (e nem acho que todo mundo que escreve deveria). nesse início, porém, elas tem me ajudado a superar a resistência inicial sobre escrever e publicar. como uma ferramenta para me tirar da inércia. acho que o truque para manter uma boa relação com as metas é ter clareza do objetivo ao qual elas servem, e se elas de fato precisam estar ali. as trato mais como um farol do que como uma obrigação.
"quando meu ego ameaça querer tomar a frente". obrigada por lembrar de olhar para o farol :)
Larissa, você colocou em palavras algo que sempre ressoou pra mim: “e sendo pros outros a coisa de repente ganha mais sentido”. Com o tempo entendi que esse é um desdobramento de onde eu mais depositava amor. Nos outros. Não em mim. Porque fazer as coisas por nós mesmas é, sobretudo, um ato de amor próprio. E amar-se, principalmente em tempos digitais, onde nos comparamos o tempo todo (ainda que de forma inconsciente), é uma tarefa muito difícil. Amar o outro é bem mais fácil. Ainda que seja a imagem ilusória desse outro que fabricamos na nossa cabeça rs. Comemoremos cada uma das nossas pequenas metas atingidas então, pois elas significam muito mais que objetivos alcançados. São também a recompensa do carinho que depositamos sobre nós mesmas :)