tenho pensado muito no valor dos sonhos. dos que ficam assim, como sonhos, nesse lugar entre o real e o imaginário.
eu não acho que os sonhos sejam de todo imaginação; penso que eles de alguma forma passam a existir no exato momento em que ganham o status de sonho. mesmo que nunca se realizem, eles já são algo muito maior do que meras ideias, e têm um lugar permanente dentro da gente — como uma marca precisa e particular de quem somos. só eu poderia sonhar os meus sonhos, e portanto pensar sobre eles é também entender mais de mim.
mas é que quanto mais o tempo passa, quanto mais adulta eu fico, mais eu sinto a pressão de que os sonhos precisam se tornar realidade. e estou vindo a público dizer que acho essa ideia um pouco deprimente.
gosto dos sonhos que ficam lá, no campo ideal, disponíveis sempre que a gente estiver precisando fugir um pouco da realidade. daqueles que servem pra nos ajudar a acreditar em algo maior, melhor, mágico.
é indispensável ao ser humano poder acreditar em um pouco de magia.
hoje em dia tudo é exaustivamente realista. as estrelas de cinema compartilham seus bastidores no instagram, os empresários mostram o dia a dia no youtube, os artistas da tv se esforçam pra nos mostrar que são gente como a gente. e eu fico me perguntando, será que eu quero saber?
será que a vida não era muito mais legal quando as estrelas de cinema eram exatamente isso: estrelas de cinema? tudo bem, por trás de toda estrela existe o ser humano. mas é da minha conta?
sei lá, de vida real já me basta a minha.
quero poder acreditar que as estrelas, os CEOs, os artistas ocupam uma outra categoria de gente; que eles não são exatamente assim como eu. não quero viver num mundo em que artistas são gente normal, com contrato PJ e declaração de imposto de renda — quero poder alimentar minhas ilusões, sem que todas elas sejam invadidas pelo peso do cotidiano. quero poder acreditar na fantasia!
especialmente quando minha analista me diz que estou dando sinais de estar atravessando a minha fantasia. e faz sentido: olhando para o pequeno caos em que se encontra minha vida no momento, ou era isso ou um retorno de saturno antecipado. seja lá o que for, me parece essencial ter alguma outra fantasia pra me ancorar.
conforme vou aprendendo a amar a minha vida real, sinto ainda mais necessidade de nutrir essas fantasias do bem. esses sonhos inofensivos e de estimação.
qual é a sua vida ideal de estimação?
a minha é Nova York. sempre foi, desde que eu tinha 15 anos e pisei lá pela primeira vez — numa época em que o dólar era R$1,70 e eu podia comer um cachorro-quente de rua sem que meu estômago fizesse qualquer protesto. Nova York sobrevive, gloriosa e inalcançável, a todos os ataques que a vida real manda em minha direção. mesmo eu já tendo voltado lá mais duas outras vezes, num intercâmbio acadêmico e numa viagem barata e duvidosa comprada numa dessas empresas de milhas aéreas.
desconfio que, não importa quantas vezes eu volte, eu sempre vou sonhar com Nova York.
é o exemplo perfeito do sonho que cumpre sua função sendo sonho, e não se tornando realidade. e como é bom ter esse sonho sempre lá, me esperando, sempre que eu quiser voltar.
se você me perguntasse hoje "você se mudaria pra Nova York?", eu não garanto que minha resposta seria “sim”. além de gostar desse sonho como sonho, se eu pensar demais em como seria torná-lo realidade acho que a mágica se perderia um pouquinho. se eu pensar demais, lembro dos ratos do metrô e da neve derretendo e se transformando num lamaceiro, tornando as calçadas enormes pistas de obstáculos. de perto nada é perfeito, e é exatamente por isso que mantenho certas coisas a uma generosa distância de segurança. Nova York, pra mim, é o melhor tipo de sonho: daqueles irrealizáveis.
e tudo bem, eu concedo: talvez isso não seja válido pra todos os sonhos. talvez eu esteja sendo conformista, ou deveria sentar aqui e te escrever que sim, todos os seus sonhos devem ser realizados. que a gente tem sempre que sonhar mais alto, sonhar grande, sonhar tudo e viver eternamente correndo atrás de torná-los realidade.
talvez.
mas acho que prefiro estar sozinha em casa num domingo nublado, e saber que eu sempre vou poder colocar um filme na TV e sonhar com Nova York.
ok, uma coisa precisa ser dita:
alguns sonhos não realizados serão sempre motivo de luto e fonte de algum nível de frustração. mas acho que a vida é isso, não? algumas coisas a gente conquista e realiza, outras não. talvez porque não era pra ser, talvez porque simplesmente não deu. às vezes me pego pensando se poderiam existir realidades paralelas em que eu fiz qualquer coisa de diferente e algum dos meus sonhos não realizados acabaram se tornando reais. imagino de quantas outras formas eu poderia ser feliz, em milhões de outros universos. isso me parece mais simpático do que achar que o único caminho possível pra mim é o caminho que trilhei nessa vida aqui.
e uma última breve consideração: é muito doido como vivemos numa era hiperrealista, em que as coisas ou são, ou não são. esse espaço liminar entre o que é e não é parece não existir mais, ou talvez sejamos nós que não conseguimos mais sustentá-lo. isso tudo é também sobre encarar a falta, afinal. e acho que é isso mesmo que a gente tá precisando aprender.
de toda forma, o ponto é que algumas coisas, as mais especiais, a gente pode manter num lugar quentinho de aconchego, pra sempre lembrar de sonhar.
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💌 notas da autora e conversinhas paralelas
a edição dessa semana ia ser sobre outra coisa, sobre aprender a dizer sim pra vida e a história de como literalmente matei um sinal do universo. mas enquanto tentava escrever alguma coisa que fizesse sentido, encontrei esse texto sobre sonhos no meu bloco de rascunhos, e achei que ele merecia vir ao mundo.
na temática nova iorquina, três recomendações:
🎥 Mens@gem Para Você (You've Got Mail): não apenas um clássico, mas um clássico da Nora Ephron. como eu amo mulheres inteligentes criando coisas inteligentes! pegando carona num comentário do rotten tomatoes: “o filme romantiza a nova york pré anos 2000 e o capitalismo tardio, através de um romance do tipo ‘será que eles vão acabar juntos’ entre Tom Hanks e Meg Ryan.” não tem como ficar melhor.
🎥 Uma Mulher Descasada (An Unmarried Woman): quando lembro que esse filme foi feito nos anos 70 sempre fico meio chocada. conta a história de uma mulher comum atravessando um divórcio entre sessões de terapia, crises de identidade, dates duvidosos e uma filha adolescente. a nova york retratada aqui é crua e realista, e se torna quase uma personagem da trama. um dos meus filmes favoritos da vida.
📚 Loucos por Livros (Book Lovers): se tem uma coisa que você precisa saber sobre mim é que seja lá o que Emily Henry lançar, eu estarei lá pra ler e/ou assistir. Book Lovers segue sendo meu livro favorito dela, e conta a história de Nora e Charlie, ambos profissionais do meio literário que amam suas vidas em Nova York — mas acabam se esbarrando numa cidadezinha pitoresca do meio-oeste estadunidense. um dos temas desse livro é justamente o amor que ambos os protagonistas têm pela cidade, e acho que isso acrescenta uma textura interessante ao enredo. além disso, se eu pudesse casar com qualquer personagem fictício, eu casaria com o Charlie Lastra. sem nem pensar duas vezes. ele tem o molho, sabe.
por hoje é isso. espero te ver nas próximas!
-Larissa
esse texto tocou em algum lugar profundo em mim, obrigada <3 a partir de hoje vou ter a listinha dos sonhos realizáveis e sonhos para continuarem sonhos. eventualmente podemos mudá-los de lugar, rebaixá-los, promovê-los, não é mesmo? vida é movimento.
Que delicia ler seu texto! Amei um dos primeiros paragrafos em que voce define o que é um sonho... E ultimamente tenho refletido muito sobre essa coisa de ~realizar~ os sonhos. Concordo que nem todos deles precisam ou devem ser realizados. Mas apenas podermos sonhá-los.... às vezes é o objetivo.